RUTGER
BREGMAN | AUTOR DE 'UTOPIA PARA REALISTAS'
“A renda
básica universal seria a maior conquista do capitalismo”
Holandês propõe repartição gratuita de dinheiro e
jornada semanal de 15 horas contra desigualdade
Barcelona
25 MAR 2017 -
13:29 BRT
O historiador Rutger Bregman. Carles
Ribas
O
historiador Rutger Bregman (Westerschouwen, Holanda, 1988) surgiu no debate
ideológico em seu país há três anos com a publicação do ensaio Utopia para
realistas. O texto foi divulgado inicialmente na Internet, no site The
Correspondent. A indústria editorial juntou-se depois ao fenômeno, que
agora chega à Espanha pelas mãos da editora Salamandra. Colaborador de jornais
como The Washington Post e The Guardian, Bregman acredita ser
possível sacudir o capitalismo para acabar com as desigualdades com propostas como a renda básica
universal, redução da jornada de trabalho para 15 horas semanais e abertura das
fronteiras.
Pergunta. No sul
da Europa, o debate está focado hoje na questão de como continuar financiando o
Estado de bem-estar social. Acredita ser viável acrescentar a esse sistema uma
renda básica universal?
Resposta. A renda
básica é um complemento das medidas fundamentais que compõem a sociedade de
bem-estar. Ela deveria ser somada à saúde e ao ensino público. Mas há coisas
que essa renda poderia substituir, em especial os subsídios como o
seguro-desemprego, que se tornou um sistema incrivelmente burocrático e
paternalista e que não funciona.
Pergunta. Quantas
horas o senhor trabalha por semana?
Resposta. O que é
trabalhar? [riso]. Eu trabalho no The Correspondent, um coletivo de
jornalistas de investigação, e isso me proporciona um salário básico. E o faço
porque acredito nele, não por causa do dinheiro.
P. Mas
quantas horas? É possível dedicar apenas 15 horas por semana a isso?
R. Talvez
eu trabalhe zero hora, pois não considero isso realmente como um trabalho.
Ninguém me obriga a fazê-lo. Mas eu gostaria de ver uma sociedade na qual cada
um pudesse escolher livremente o trabalho que quer fazer. Eu me considero um
felizardo, mas gostaria de viver em uma sociedade na qual todos se sentissem
assim.
P. Os
trabalhadores então deixariam de receber quando estivessem desempregados?
R. A renda
básica é o primeiro estágio da distribuição e é incondicional. Todos a
receberiam: ricos e pobres.
P. Como
seria o seu financiamento?
R. Como eu
disse, ela substituiria alguns elementos da sociedade de bem-estar. Mas a renda
básica é um investimento. Há várias demonstrações científicas provando que a
pobreza é algo que sai muito caro: gera mais delinquência, resultados
acadêmicos piores, doenças mentais... Seria muito mais econômico erradicar a
pobreza do que combater os sintomas que ela causa.
P. O senhor
critica o Estado por ser um “supervisor” e por ser “paternalista”. Mas é
preciso controlar de alguma forma como é empregado o dinheiro público, não?
R. Os
pobres são os verdadeiros especialistas em suas próprias vidas. Acredito na
liberdade individual, as pessoas sabem o que fazer com suas vidas, mas hoje
vivemos em uma sociedade de burocratas e paternalistas. As pesquisas mostram
que é melhor dar o dinheiro diretamente a quem precisa dele do que destiná-lo a
funcionários públicos e à burocracia. Muitas pessoas se preocupam com a
possibilidade de a renda básica ser usada para compra de bebida alcoólica ou
drogas, mas já houve experiências no passado cuja conclusão foi de que deram
muito certo.
P. Mas não
foi essa a postura demonstrada pelo líder do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, ao
dizer, referindo-se aos países do sul da Europa, que não se pode gastar tudo com mulheres e bebidas e depois vir
pedir mais dinheiro?
R. Gostaria
de pedir desculpas por isso em nome do meu país. A boa notícia é que ele logo
mais já não trabalhará mais nesse lugar. Sim, esse é um grande exemplo da falta
de confiança que as grandes instituições têm em relação às pessoas comuns. Na
verdade, esse dinheiro não foi parar integralmente no bolso dos lixeiros, dos
faxineiros ou dos professores, mas sim no dos banqueiros. No meu livro, eu
procuro expor uma ideia mais otimista daquilo que podemos conseguir como
sociedade. Minha geração está cansada de políticos como Dijsselbloem, que opõem
as pessoas umas às outras.
P. O livro é bastante crítico em
relação à esquerda social democrata por causa de seu discurso “perdedor”. Como
seria possível renovar esse discurso?
R. Os
sociais-democratas foram totalmente esmagados nas recentes eleições gerais da Holanda. Perderam o
rumo de casa e não têm propostas a acrescentar. Dijsselbloem é o maior exemplo
de tecnocrata e dessa percepção de que os homens de terno sabem mais do que os
outros aquilo que nos convém ou não. E essa concepção levou à irrupção dos
populismos de direita. A tecnocracia e o populismo estão convencidos de que só
existe uma receita capaz de funcionar, enquanto que para nós o que realmente
convém é o pluralismo. O problema da esquerda, hoje, é que ela só sabe ao que
se opõe. Permanece com uma visão muito paternalista, de ajudar a quem precisa.
Precisamos virar esse discurso ao avesso. Por exemplo, defender a meritocracia.
Se a levássemos a sério, muitos professores deveriam ganhar mais e muitos
banqueiros deveriam ter um saldo negativo, por destruir a riqueza. Esse é o
discurso de que precisamos para combater a desigualdade.
P. Mas no
livro a sua crítica é generalizada. O senhor se queixa de que sua geração é
carente de novas ideias...
R. Mas já
há alguns sintomas que alimentam a esperança. Eu escrevi o livro pela primeira
vez em holandês em 2014, e naquela época ninguém tinha a menor ideia do que era
a renda básica. Agora, somente na Holanda, existem 20 cidades que implementaram
programas para aplicá-la. Ela está sendo experimentada na Finlândia e
prestes a ser adotada também no Canadá. Isso mostra que se trata de uma ideia
que está conquistando o mundo.
P. O senhor
defende uma jornada de trabalho semanal de 15 horas. Essa ideia já foi colocada
por John Maynard Keynes, e não parece que tenhamos nos aproximado muito disso.
Por que acredita que agora seria possível implementá-la?
R. Durante
décadas muitas pessoas acharam que chegaríamos a jornadas mais curtas. Keynes
não foi o único. Nos anos setenta, a maioria dos economistas e sociólogos
estavam convencidos disso. Mas nos anos oitenta a coisa mudou, e começamos a
trabalhar muito mais. Hoje estamos atolados de trabalho. Há dois motivos para
isso. Primeiramente, o consumismo: compramos coisas de que não temos
necessidade para impressionar pessoas das quais não gostamos. O problema dessa
explicação é que a maior parte das coisas que compramos sem necessidade são
produzidas por robôs e no Terceiro Mundo, o que faz com que a maioria de nós
trabalhe no setor de serviços. E isso nos leva ao outro motivo, ou seja, que
nos últimos 30 anos temos visto um crescimento absurdo do nível de trabalhos lixo.
P. Em que
sentido esses trabalhos são lixo?
R. Um
trabalho lixo é um trabalho considerado inútil pela própria pessoa que o
exerce. Muitas vezes são trabalhos bem remunerados, mas que podem consistir em
enviar correios eletrônicos ou escrever relatórios que ninguém lerá. Não estou
falando de lixeiros, professores ou enfermeiras. E existem funções extremamente
úteis que não são remuneradas, como o cuidado com as crianças ou os idosos e o
voluntariado. Se todos esses deixassem de trabalhar, aí sim teríamos problemas
de verdade.
P. Qual
mecanismo seria usado para determinar os salários?
R. A renda
básica seria fundamental, pois permitiria pela primeira vez na história que as
pessoas pudessem recusar trabalhos que não quisessem realmente fazer. Hoje em
dia esse é um privilégio ao alcance apenas dos mais ricos, mas, caso se
implementasse a renda básica, seria um direito de todos. Hoje se diz às
crianças que elas precisam estudar para alguma profissão que lhes dê dinheiro.
Com a renda básica, elas poderiam fazer o que bem entendessem na vida.
P. O senhor
diz que haverá menos emprego por causa da tecnologia. Mas, em vez disso, não
poderá acontecer de surgirem novos tipos de empregos?
R. Nós
subestimamos a incrível capacidade do capitalismo de gerar novos trabalhos
inúteis. Hoje em dia, talvez cerca de 30% dos empregos são inúteis, mas o
capitalismo pode elevar essa taxa a 40%, 50% ou 60%. A não ser que se introduza
a renda básica ou se redefina o conceito de trabalho.
P. O senhor
poderia ser encaixado na categoria dos que são antissistema, mas no livro há
uma defesa do capitalismo, que é visto como um “motor de prosperidade”...
R. A renda
básica universal seria a conquista mais importante do capitalismo. Não é uma
ideia absurda. É uma plataforma a partir da qual se pode ir adiante,
proporcionando a todos uma ferramenta para se arriscar e empreender. E é nisso
que consiste o capitalismo.
P. Os
críticos à ideia da renda básica dizem que essa medida acabaria com o incentivo
à busca por trabalho. Qual é sua opinião sobre isso?
R. Uso três
capítulos para mostrar experiências concretas que revelam que, quando recebem
dinheiro gratuitamente, as pessoas não o desperdiçam ou gastam com bebida. As
pesquisas mostram que todos nós queremos realizar os nossos sonhos. E o grande
desperdício dos nossos dias são os milhões de pessoas que estão presas à
pobreza ou a um trabalho inútil.
P. O senhor
propõe a abertura de fronteiras em um contexto em que o mundo parece caminhar
numa direção contrária a essa. Seria o item mais utópico das suas propostas?
R. É, sem
dúvida, o mais radical. Mas temos provas de que a imigração é uma arma
contundente contra a pobreza. Um país com um patriotismo forte deveria se
sentir orgulhoso por abrir suas fronteiras a emigrantes e refugiados, pois
todos os grandes países da história da humanidade se basearam neles.
P. Essa
ideia exigiria um consenso internacional. Pensando no papel desempenhado pela
União Europeia na crise dos refugiados, parece viável chegar a ele?
R. Tudo
deve começar por contar a história de uma forma diferente. É a mesma coisa para
a renda básica. Muitas vezes me dizem que as pessoas são contra, mas no século
XVII a maioria também era contra a democracia.
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