Os 100
dias do ‘Chapo’ na prisão: uma escalada de delações e violência
A extradição de Joaquín Guzmán multiplicou as
revelações de traficantes que tentam acordos com a polícia
Nova York
4 MAI 2017 - BRT
O
traficante ‘El Chapo’ desembarca nos EUA após ser extraditado pelo México. AP
No mesmo dia em que Donald Trump tomava posse como presidente dos
EUA, Joaquín Guzmán Loera, mais conhecido como El Chapo,
encarava pela primeira vez um juiz de Nova York. Havia aterrissado na noite
anterior no aeroporto de Long Island, extraditado pelo México e escoltado pelos
homens de James Hunt. Um peixe grande. O agente especial que comanda a DEA
(agência antidrogas dos EUA) em Nova York também estava lá, era um Dia D, por
causa de tantos anos que havia passado no seu encalço, porque se tratava do
maior traficante do mundo e porque, com a queda de Guzmán, ele sabia que muito
outros viriam atrás. Em seus primeiros 100 dias nos Estados Unidos, enjaulado em uma penitenciária
de segurança máxima em Manhattan, a disputa de poder fez o Estado mexicano de
Sinaloa mergulhar num banho de sangue, enquanto em território norte-americano
as investigações se multiplicam, e muitos traficantes, assustados, começam a
abrir a boca.
“Trazer um sujeito como El Chapo para cá faz
com que muitos se perguntem se serão os próximos, então muita gente procura o
Governo para cooperar e tentar conseguir um acordo, porque acha que, se [as
autoridades dos EUA] são capazes de apanhar alguém assim [como El Chapo],
poderão apanhar todos, e muitos traficantes estão entrando em contato com
advogados norte-americanos”, diz o agente a este jornal.
- Os filhos “fanfarrões e ostentadores” de El Chapo Guzmán
- El Chapo relembra sua infância: “Me davam golpes de vara para vacas”
- México extradita ‘El Chapo’ Guzmán para os Estados Unidos
No México, correu como a pólvora o rumor de que Guzmán,
vendo já tudo perdido, começou a abrir a boca para delatar velhos cúmplices,
subordinados e rivais, numa tentativa de atenuar sua situação. Atualmente, ele passa 23 horas por dia
em confinamento solitário, à espera do julgamento. A detenção de Edgar Veytia, procurador-geral
do Estado de Nayarit (México), estimulou as especulações, porque a investigação
foi liderada pelo mesmo funcionário que imputou El Chapo, embora seus
advogados neguem taxativamente qualquer relação entre os dois fatos.
As guerras intestinas explicam muitas
vulnerabilidades. “Cada vez que há lutas internas, o cartel se enfraquece,
porque seus membros começam a se preocupar mais com uma coisa do que com outra
– quem vai ser o próximo chefe, em vez de como burlar a lei”, explicava o chefe
da DEA nova-iorquina, falando antes dessa detenção. Havia “muitíssimas
investigações” abertas, segundo ele.
Nesta terça-feira, caiu na Cidade do México Dámaso
López, um dos sucessores do chefão, capturado precisamente em meio à luta entre
as diferentes facções do cartel: de um lado López, de outro os filhos de
Guzmán, mais Beltrán Leyva… A batalha no território de El Chapo fez a
violência se aproximar de um novo patamar. Corpos começaram a ser
atirados de pequenos aviões, como exibição de força e ameaça, e nos dois primeiros meses foram
registrados 230 homicídios – cifra que os analistas dessas
regiões acreditam já ter duplicado.
Segundo Hunt, enjaular El Chapo foi algo
comparável à captura de John Gotti, que na década de 1980 chegou a ser o chefe
do clã Gambino, uma das grandes famílias mafiosas de Nova York. Resta ver qual será a posição assumida
pelos filhos de El
Chapo. “Tenho certeza de que tem muita gente ressentida com o fato de os
filhos estarem onde estão sem terem precisado competir como eles”, afirma o
diretor da DEA. Queixas de nepotismo em versão narco: “É como quando Gotti
nomeou seu filho como chefe, houve muito ressentimento por isso, e foi o que
afundou a família, mas não estou no México”, acrescenta.
Nova audiência judicial
A Justiça norte-americana considera El Chapo
como o principal narcotraficante do mundo e o acusa de milhares de mortes, torturas e sequestros. Desde Al Capone,
Chicago não declarava alguém como seu inimigo público número um. Nos EUA,
Guzmán Loera responde por 17 crimes, pelos quais pode passar o resto da vida na
cadeia. Desde que foi extraditado para os EUA, há pouco mais de 100 dias, vive
confinado numa cela, quase incomunicável, e seus advogados dizem que começou a
sofrer alucinações e ouve música em um rádio desligado.
No mundo do tráfico, rei morto, rei posto. “Alguém vai ocupar esse
vazio, há
muito dinheiro aí para que isso não ocorra”, afirma Hunt. Mas essa detenção
criou um tsunami na organização, e isso é providencial para as forças de
segurança.
Nesta sexta-feira, El Chapo voltará a ver o
juiz no Brooklyn. Não se sabe a data do julgamento, mas sim que nele haverá um
desfile de líderes de cartéis colombianos para depor contra ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário